Comecei a escrever haicais no Twitter. Depois num aplicativo do celular. Por fim, a lápis.

Haicai é um poeminha curto de três versos. O primeiro e o terceiro têm cinco sílabas. O do meio, sete.

Três, cinco, sete. Uma bela estrutura calcada em números para abarcar letras.

A cultura japonesa, de onde surgiram os haicais, está permeada dessas misturas fascinantes. Me permiti dar um título de forma livre a cada um.

Durante a criação dos poemas, senti uma sensação familiar. O ato de inserir conteúdo no marco do haicai lembra os encaixes necessários na práxis jornalística. A escrita para um jornal ou revista tem limites. Mesmo na web, onde o espaço parece beirar a infinitude, há demarcações claras para o tamanho dos títulos, legendas e outros elementos.

O prazo apertado, que no jargão das redações adota o adequado nome de deadline (linha da morte), inexiste num livro.

Tive tempo de brincar com as dificuldades da elaboração de um haicai. Um dos principais obstáculos era o fato de nunca ter escrito poesia antes.


O mais próximo que cheguei da poesia em minha vida foram duas letras de música que escrevi lá pela 6ª série. Um colega leu, gostou, mas nunca chegou a fazer uma canção.

Minha praia é a prosa, tal qual este texto que você lê neste momento.

A Agenda, romance que escrevi, lançado em 2013, me fez encarar poemas.

Para a história andar e sem precisar lidar com herdeiros chatos, usei poemas antigos que estivessem em domínio público. Não gostei da maioria.

Na primeira versão da novela, antes de a editora me esclarecer que não poderia usar material de poetas com direitos autorais enrolados, algumas poesias reproduzidas seriam de Paulo Leminski®. Ele é de Curitiba, cidade onde morei por sete anos e terra com numerosa comunidade nipo-brasileira. Leminski escrevia haicais.

O poeta judoca assombra os curitibanos. Em meu primeiro livro, Curitibocas - Diálogos Urbanos, escrito com Cecilia Arbolave, parecia que a qualquer momento ele nos cumprimentaria, tal era a quantidade de vezes em que era citado pelos entrevistados da obra.


O polaco não esgotou o gênero dos haicais. Existem muitas possibilidades com o haiga, ilustrações simples que acompanham esse tipo de poema. Propus ao curitibano FP Rodrigues que fizesse as ilustrações neste trabalho.

O convite beirou a provocação. Dias antes, Rodrigues havia me dito que uma das tarefas mais difíceis em seu ofício é ilustrar poemas. Nós dois ficamos fora da zona de conforto com a obra.

Em meio ao processo de criação, resolvi dar mais um passo fora da linha. Resolvi escrever os poemas a lápis.

Porém, havia uma outra imensa dificuldade: minha letra sempre foi horrorosa. Desde que aprendi o alfabeto, ouço piadas com minha suposta aptidão à medicina por causa disso. Nunca dei bola. Na maioria dos casos em que precisava me comunicar pela escrita, batuquei um teclado. Para as anotações pessoais, bastava que eu as entendesse e ninguém mais.

Para compor os poemas, segui aulas de caligrafia gratuitas na internet. Nada muito avançado. Me reeduquei dentro dos parâmetros do ensino fundamental escolar.

Fiquei extasiado com a liberdade que a ponta de carvão tem ao percorrer a folha de papel. Percebi a pobreza do editor de textos do computador. Com artefatos extremamente rudimentares, eu podia ir além.


Ao mesmo tempo em que voltava ao básico, tentei amenizar o risco de o livro encalhar. Aí é o lado editor da Lote 42 tentando evitar prejuízos.

Pensei em 64 páginas. Ou traduzindo para o jargão da máquina offset, dois cadernos de 32 páginas. Bem simples.

Com 49 páginas de conteúdo (sendo 42 haicais e 7 ilustrações), teríamos espaço de folga para folha de rosto, ficha catalográfica e outros elementos que Gustavo Piqueira, da Casa Rex e autor do projeto gráfico, julgasse importante.

Os números de novo clamam por atenção. A escolha de 42 para mim é simbólica pelo nome da editora. O sete foi a soma natural para chegar a 49, mas ele acabou depois ganhando um novo significado depois que fizemos uma promoção de dar 10% de desconto em nossos produtos para cada gol que a Alemanha fizesse no Brasil na partida da Copa 2014. Foram 7, que multiplicado por si dá 49.

Os números tomaram corpo e foram parar na capa, com um trabalho manual de estêncil feito pela Casa Rex. Cada uma é única. A sobreposição proposta por Piqueira lembra um kanji.

No miolo, o lápis faria com que a impressão não fugisse do preto e branco, o que é bastante econômico. Depois, outra cor foi acrescentada e isso não encareceu tanto assim o livro.

É um livro filho do agora. Foi composto dessa forma graças ao acúmulo de noções do processo de editoração.

Uma sensação por um lado boa. Ruim por uma questão surpresa.

Não imaginava que teria dificuldade em me autoeditar. Travei.

Fiquei impossibilitado de executar alguns passos do processo. Não consigo entender direito o que puxou meu freio de mão, mas fato é que sentia um torpor sempre que pensava em avançar a obra.

Seria o fim desse jogo de obstáculos se não fosse pelas pessoas talentosas e generosas ao redor da Lote 42. Uma delas é Vivien Hermes. Ela revisou e apontou dúvidas muito pertinentes com lápis. Usou sua própria caligrafia. Seus comentários foram mantidos na versão final da obra.

Foi o toque final dessa passagem dos bytes e pixels para o papel impresso. Uma transição típica da natureza da Lote 42.

João Varella